Ela já conhecia o restaurante-irmão, sediado no Parque das Nações, Lisboa. Ele nem do conceito tinha ouvido falar. A decisão foi rápida e, numa tarde ainda soalheira embora desafogada da típica enchente veraneante, rumámos à prometida «Carne maturada e desavergonhada».
Conquistados pela decoração de estilo raw industrial, escolhemos uma mesa de canto com boa visibilidade sobre a sala dividida em duas áreas, o bar, a esplanada exterior e as escadas que conduziam ao segundo andar. De ementa em punho, difícil era a decisão seguinte. O caminho da tentação teve início com o Couvert que chama a atenção ao sugerir ovos de codorniz. Ainda curiosos (e sabendo do apetite que nos rege), pedimos um croquete de bovino (servido quente, acabado de fazer – ámen!) com companhia de mostarda. Simplesmente muito bom.
Indecisos entre a fama da carne e as promessas do peixe, escolhemos ambos. E não nos arrependemos. Apesar de se afirmar como um restaurante de carnes de excelência e raridade, o Butchers dispõe de ótimas opções piscícolas, como se provou na entrada, um Prego de Atum em Bolo do Caco de Alfarroba. Parece uma lista de compras para espaços comerciais distintos, mas resulta numa conjunção extraordinária, onde os sabores mantêm a sua autenticidade e geram um gosto inovador. A gula pedia apenas que se carregasse mais na quantidade de molho que untava o pão. Todavia, seria heresia não provar carne em casa de Butchers (talhantes), e foi nessa demanda que descobrimos New York, um suculento naco cuidadosamente grelhado no ponto pedido temperado apenas com toque de sal, ombreado por um molho de pimentos que em tudo favorece esta carne. A temperatura, essa, vinha abaixo da ideal mas queremos acreditar que tenha sido apenas um infortúnio entre os tempos de preparação e serviço. As tirinhas de batata doce frita servidas com pele (absolutamente de-li-ci-o-sas!) e a salada mediterrânica, são os acompanhamentos da casa e revelaram-se o par perfeito para este pecado carnal.
Não obstante a viagem intercontinental, podíamos ter ido mais longe na gula. É que ali há pecados para todos os pecadores: consoante o apetite (e a carteira), poderão conspurcar o vosso palato com a excentricidade da carne KOB, das terras dos samurais, ou ser mais beatos e seguir a procissão tradicional dos Bifes do Lombo, Entrecôte, T-Bone ou até Pato. A maturação das carnes está à vista de todos, como num talho, e algumas, mais excecionais, só estão disponíveis por encomenda.
Importante mesmo será que não faltem à comunhão de sobremesas, onde estes dois fiéis presenciaram a aparição da (Santíssima) Trilogia Butchers, uma família muito funcional e riquíssima de frescura e deleites, composta por mousse de chocolate caseira (ladeada por flor de sal e pimenta rosa para servir a gosto), crumble de maçã com gelado de baunilha e cheesecake de lima. Sacrilégio é não provar.
Seguindo sempre os passos de Nosso Senhor, regámos... perdão, batizámos as carnes (e o atum) em fonte regional, socorrendo-nos do Barranco Longo Grande Escolha, um néctar que apesar de branneco se revelou um sacristão competentíssimo nas suas funções de altar, sem abandonar a frescura e acidez a que encomendáramos as almas. Para quem prefira tintos, a carta é vasta e muito bem enquadrada com o rol de pratos disponíveis. Para quem cometa a traição ao vinho, a sacristia da casa, vulgo bar, é farta de Gins e outros elementos espirituosos que prometem Cocktails de ir ao Céu e voltar.
Saímos de Almancil surpresos com o milagre de um espaço requintado mas informal, refinado mas sem violar o 7.º mandamento, e tão abrangente quanto o nosso apetite.
Estava garantida a redenção do palato e a absoluta absolvição da fome.
Pecámos, Senhor. Mas algo nos diz que o vamos voltar a fazer em breve. E sem vergonha nenhuma.
Restaurante Butchers
R. do Comércio 286
8135-127, Almancil
Todos os dias 12h00 – 15h00; 18h00 – 23h00
T.: 289 356 196
Menu executivo: 12.5 euros (almoço durante a semana)
Maria João Barbedo e Roberto Leandro