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Crónica Social - Quanto vale uma floresta?



Tinha acabado de chegar de uma caminhada de 100 km pelas florestas da Galiza quando dei conta dos incêndios no domingo fatídico do passado 15 de Outubro.


“Portugal perdeu este ano 4% da sua área arborizada e é responsável por metade das florestas ardidas na EU, devido à prevalência de eucaliptos, má gestão de solos e falta de prevenção. A Global Forest Watch revela que a perda de áreas florestais no mundo atingiu um recorde de 29,7 milhões de hectares e que as secas afectam a alimentação de 81 milhões de pessoas”[1]


A preocupação por amigos que sabia estarem numa das zonas atingidas, a memória ainda fresca da perda de pessoas próximas que ficaram na estrada da morte em Pedrogão. O amigo que teve que fugir com os cães para salvar as vidas e deixar a casa – quinta – alma e espólio de uma vida a arder. A amiga que perdeu parte da sua quinta-projeto. O impensável que acontece, destruindo tudo à sua passagem.


Este ano a época dos fogos foi diferente. Sim, porque existe uma época dos fogos mas não costuma morrer gente. E este ano morreram muitas pessoas para além da floresta e das casas e fábricas ardidas - A quem aproveita esta devastação trágica?


Há anos atrás já se dizia que aproveitava aos madeireiros, à especulação imobiliária, à indústria da celulose e à própria indústria do fogo. Hoje também se fala em terrorismo incendiário, embora convenhamos que a ser verdade, não vai ser fácil fazer prova destes crimes e dos respectivos mandantes.


Apontam-se também como contributos para que isto possa acontecer a desertificação de dois terços do país, o envelhecimento da população que ainda por lá reside, a falta de gestão da floresta, a substituição da floresta autóctone por cultivo intensivo de eucaliptos e pinheiros, a ineficácia da prevenção e do combate aos incêndios, o conluio de interesses ramificados por muitas áreas de vida e atividade deste país.


Escreveu-se e falou-se muito sobre os fogos. Especialistas de muitas especialidades, comentadores tudólogos, gente do poder e do povo, vitimas, jornalistas, todos. Pessoas que sabem do que falam e outras que não sabem. Pessoas que se importam e que querem mudar estruturalmente aquilo que é sabido contribuir para estas tragédias e outras que aproveitam a devastação para cumprir objetivos nocturnos e esquivos. Por vezes tenho ideia que a comunicação social (correndo o risco de generalizar) faz grande alarido mas é como se fosse uma cortina de fumo que nos atordoa durante alguns dias e depois muda a agenda para ficar tudo como estava.


Assumo que não tenho qualquer especialidade no assunto (até para atear um fogareiro ou uma lareira sou bastante incompetente) mas quero falar dos incêndios porque sou cidadã. E nessa qualidade sinto-me afectada, roubada num património que também é meu, emocionada com as perdas das pessoas que viveram os piores dias das suas vidas.


Existem situações que tornam impossível que fique tudo na mesma e eu quero acreditar que os 100 mortos destes incêndios justificam a coragem (politica, colectiva e individual) de mudar. Com a consciência da enormidade que é enfrentar interesses e agentes económicos que não conhecemos.


O fabrico de papel em fábricas ambientalmente limpas na Alemanha por exemplo, dependem do fornecimento de matéria-prima de países como Portugal que aceitam destruir-se, aparentemente sem grande noção dos prejuízos atuais e futuros. Ou achando-se compensados pela conta-corrente das exportações.


Cada um de nós quando pega numa folha de papel, ou num bloco ou livro não associa ao sangue e lágrimas que estão na cadeia de produção desde a origem ao destino.


As pessoas afectadas são o mexilhão da história. Uma história de roleta russa que faz com que uns morram, outros percam tudo, muitos percam qualidade de vida e outros achem que são apenas danos colaterais.


Como é que se compreende isto? A que ponto civilizacional chegámos para isto ser possível?


Como se luta contra isto, como se inverte este estado de coisas e, sobretudo como se previne que volte a acontecer?



Sou um coração mole. Desde miúda que choro quando vejo um desfile, uma banda ou uma parada de bombeiros. Não sei explicar. Fico com um nó na garganta, a voz embargada e os olhos inevitavelmente cheios de lágrimas. Comovo-me.


Procuro ter um olhar critico sobre as reportagens televisivas (sobretudo se exploram a desgraça alheia) mas emociono-me com a autenticidade da dor dos afetados. Os rostos e histórias simultaneamente distantes e com uma enorme proximidade connosco. Quase toda a gente é beirã ou tem ligações às beiras por esta altura de reconstrução e de apoio.


Mas alterno cada vez mais entre a emoção, a solidariedade com quem foi vítima e a zanga por ter sido possível que isto acontecesse.

Numa altura do mundo em que se atribui valor pecuniário a quase tudo, quanto vale uma floresta? Valerá tanto quanto a soma do valor das árvores-madeira que a compõem?


Entendo que uma floresta é um bem comum. Mais do que um conjunto de árvores e maior do que o seu rendimento em madeira. É oxigénio, é água, é húmus, é saúde, é muito mais do que vemos e do que entendemos. É um ecossistema riquíssimo que nos garante boa parte da vida no planeta. Tem modos de vida que só dependem dela. E nós todos dependemos da sua existência.


Olho para a foto e parece-me impossível…


Isabel Passarinho



[1] Excerto de notícia no jornal Destak, 25/10/2017

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