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Crónica Social - Amores Perfeitos são flores


Entendo que a capacidade de amar e de criar é o que faz a condição humana. A nossa inscrição no mundo, o que sabemos ou julgamos saber, o que não sabemos, os discursos de ódio e a bondade, as circunstâncias de vida não podem fazer esquecer os sentimentos de amor.


Uma aflição com a saúde e o bem-estar de alguém que se ama, um tormento com uma filha, a perda de um amigo de longa data, a orfandade, doem tanto como a pior noticia que nos entra em casa.


O mundo começa nos nossos afectos e o amor é um terreno revolto de desassossegos.


O amor (e o desamor) é um dos sentimentos mais fortes que move o comportamento humano. Mais ou menos claro, com muitas formas e feitios diferentes: apaixonado, doentio, paradoxal, mitigado, canalha, sublimado, trágico, saudável, esquecido.


Variável também conforme o seu objeto. Tem quase sempre uma categorização - amor parental, filial, fraterno, romântico, amor-mundo, amor-outro, amor-eu. Do amor-sofrimento fazem-se livros, filmes, poesia. Dos tempos de amor-feliz não reza a história, dizem – são instantes, bolas de sabão.


Para além do tamanho e intensidade deste sentimento, de ter muita ou pouca gente dentro, de ter mortos e vivos, pessoas por perto e por longe, é um lugar-comum da relação com o outro, do qual não se sabe nada.


A perda de direitos sociais, as contas por pagar, as ansiedades para manter o trabalho ou para encontrar um, as questões de família, as doenças, os divórcios, os filhos que se encontram ou perdem na vida, aqueles vizinhos que são o inferno na porta ao lado - nem sequer é egoísmo ou fuga. Simplesmente não se aguenta a positividade a tempo inteiro. E por vezes parece bem a revolta.


Eleições em França, irracionalidades no futebol, ataques terroristas, a democracia a morrer na escuridão, o desemprego maciço, a fome e a falta de água potável no planeta, as guerras, a pobreza, o lançamento de ‘bomba-mãe ’no Afeganistão quase sem cobertura informativa (será que as pessoas por lá valem menos que as pessoas do mundo ocidental?), o fomento de doenças e o monopólio da indústria farmacêutica, o alheamento autómato de muita gente, o consumo que faz girar a roda da economia de casino, a manipulação dos média, as novas escravaturas, os desastres ambientais, o perigo iminente da terceira guerra mundial.


Li numa das crónicas da jornalista Bárbara Guimarães no Público que em novembro passado, dois cientistas políticos americanos, Robert Stefan e Yascha Mounk, escreveram um ensaio a que chamaram ‘Sinais da Desconsolidação’ e que defendem que os cidadãos ocidentais estão cada vez mais críticos da democracia e cada vez mais abertos a regimes autoritários. Um dos sinais da ‘desconsolidação’ é o facto de haver cada vez mais pessoas favoráveis à ideia de os seus países terem ‘um líder forte que não tem que se preocupar com parlamentos ou eleições’.


Os sinais de perigo do mundo, o medo, a insegurança, a incerteza da vida e das coisas como as vemos e conhecemos. Em tensão com o pequeno mundo de cada pessoa. Em tensão com a necessidade do homem se entender e cuidar de si e dos que lhe são queridos, de cuidar da natureza que o inclui e da qual depende, de fazer e se reconhecer na Polis.


Se não se amar, não se vive, diz o mestre Coimbra de Matos. Nós os portugueses, somos uns engenhocas a lidar com as situaçõs e com os afectos, contornamos, encontramos soluções mansas. Mas amar é a importância que o outro nos leva, que o outro pense em nós, que o outro exista. Ou que nós existamos para o outro. Amores-perfeitos são só flores mas ainda assim exigem cuidados.

Isabel Passarinho

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