Título – A Doença, o Sofrimento e a Morte entram num bar – Uma espécie de manual de escrita humorística
Autor – Ricardo Araújo Pereira
Editora – Tinta da China
Data de edição – 2016
“A Doença, o Sofrimento e a Morte entram num bar” é o mais recente livro do humorista Ricardo Araújo Pereira (RAP) lançado em vésperas do último Natal e que, um mês depois, segundo a editora, já contava com mais de 30.000 exemplares vendidos.
E do que trata afinal tamanho sucesso de vendas?
Trata essencialmente duas questões: o que é o humor? e, como se faz o humor?
RAP consegue aliar uma reflexão filosófica baseada na mais variada e pouco provável bibliografia (que junta, entre outros, William Shakespeare, São Lourenço, Camilo Castelo Branco, George Foreman e Fernando Pessoa) num estilo de séria brincadeira, que lhe é característico, a um tipo de escrita narrativa, que Ricardo domina, e que prima pela simplicidade com que é capaz de descrever conceitos complexos através de exemplos.
A determinada altura, explicando ao leitor os variados mecanismos do humor, Ricardo foca-se nesta espécie de trapaça que se monta entre a expectativa do espectador, que vai sendo construída por quem conta a piada, e a realidade dos factos. O seu ponto é demonstrar como esse choque entre a expectativa e a realidade é grande na perspectiva do potencial humorístico. Para tal cita-nos esse talentoso poeta que foi Fernando Pessoa:
“Temos ouvido muitas historias tristes a respeito de creanças, mas nenhuma [tão] dolorosa [como a] que aconteceu ao grande philantropo inglez Neverwas, amigo dedicado dos pequeninos.
Passeava elle uma vez à noitinha n’uma estrada quando viu, ao pé d’uma arvore uma creança agachada, parecendo escondida ou querer esconder-se. Avançou para ella.
- Quem és tu? Perguntou. Como te chamas, pequenino?
- José, respondeu a creança que parecia atrapalhada.
- Tens pae, Josésinho?
- Não senhor.
- E mãe?
- Também não.
- Então com quem vives?
- Com uma tia minha.
O philantropo adivinhou a história; uma tia má.
- E a tua tia trata-te bem.
- Às vezes.
- Bate-te?
- Às vezes.
- Ah, fugiste-lhe?
- Não senhor.
- Então o que fazes, aqui?
- Estou cagando.”
Recorrendo a este tipo de artifícios e subsequentes considerações, Ricardo vai partilhando a sua visão do humor, do que é ao porque é, passando pelo como é. Enquanto apreciador do trabalho de RAP e consumidor assíduo dos conteúdos que vai libertando nas várias plataformas de comunicação com as quais colabora, é-me particularmente aprazível poder “beber” da reflexão que o autor faz sobre este tema, quer pela sua capacidade de escrita, quer pela sua opinião propriamente dita. Penso ainda que esta obra tem um valor considerável para todos os que se interessam por humor, sobre como funciona e sobre o que um dos mais incontornáveis nomes do humor nacional pensa sobre para que serve.
Em contraponto, e este pode ser o preço a pagar por se ser aficionado por RAP, o material usado neste livro é pouco “original”, passo a explicar, não lhe falta “originalidade” no sentido de a opinião ser consensual e comum ou tão pouco de não ser de autoria de RAP, mas falta-lhe “originalidade” no sentido de parte do material utilizado neste livro, sejam as opiniões, sejam as referencias bibliográficas utilizadas pelo autor, estarem presentes em outros trabalhos do Ricardo cuja existência antecede este livro, algo que os leitores mais conhecedores do trabalho de RAP certamente notarão. Não que haja algo de errado em reciclar material num livro, mas considerando que esta, ao contrário de “Mixórdia de Temáticas” ou “As Crónicas da Boca do Inferno”, não é uma colectânea de textos anteriormente publicados, defrauda um pouco as expectativas de quem espera algo de totalmente novo deste livro que, de resto, tem 118 páginas e custa 15€.
Ainda assim, tudo somado, não deixa de proporcionar uma boa leitura de uma perspectiva única, e divertida, sobre um tema, por demais interessante.
Classificação:
Nuno Soares